sexta-feira, 30 de março de 2012

Tempo Morto


Não fazia barulho.
Não se ouvia mais nada.
Sentia medo.
Como aquilo era possível?
O tempo havia parado?
Estava surdo?
O que havia acontecido?
O sol entrou pela janela invadindo os cantos mais obscuros daquele piso escuro que abrigava xicaras espalhadas pelo chão. Não havia mais ordem naquele apartamento.
As paredes se recusavam deixar de escutar e reproduzir o que havia sido dito repetidamente naquele silencio mudo.
Não se tinha força para mudar nada de lugar, roupas que iam para o armário, sozinhas, estavam cansadas de esperar alguém as colocarem em seu devido lugar.
O cachorro foi passear sozinho, ergueu as orelhas e antes de passar pela porta deu uma ultima olhada no seu dono. Que estava ainda na mesma posição.
 Ah... não existe mais esperança... talvez eu volte um dia, pensou o cachorro com a sua coleira em sua boa. Saiu á procura daquela que havia deixado seu dono naquela posição. Ou não.
A torneira pingava procurando encontrar a garganta que antes saciava a sede, não encontrou ninguém, Apenas o ralo, que agora estava cansado de tentar entender o que se passava ali.
O sol, agora se fora, e a criatura que antes se encontrava no chão havia se mexido, havia vida ainda. Abriu os olhos, tentou entender, mas a chaleira apitou.
 Quem havia colocado agua na chaleira?
Seu apartamento estava arrumado. Tudo tinha voltado ao lugar, á torneira não pingava mais, o cachorro havia voltado ao seu devido lugar, as roupas no armário, tudo estava como antes.
Levantou devagar, não sentia mais as pernas.  Esticou-se, e foi até a cozinha onde a chaleira estava quebrando o silencio com o seu grito, o grito que deveria ter sido dado por aquele que desligava o fogo.
Chá sempre acalma os nervos. Quais nervos mesmo?
Olhou em volta e viu o que faltava.
Faltava algo, mas não sabia o que.
Havia deixado algum detalhe escapar, não era possível.
Procurou rastros por aquilo que fazia falta.
Nada no calendário, nas mensagens nada de novo, nada.
Veio.
A brisa da madrugada, lembrando que o que fazia falta era Ela.
A pessoa que dava vida aquele apartamento. Que agora não mostrava mais nada. Era apenas um apartamento.
Pegou as chaves e saiu.
Ao olhar para trás, viu um bilhete colado na porta.
“Não se pode mudar tudo, não se pode salvar o que já foi perdido.
Procurei entender o que se passava, não entendi muito menos você.
Tentamos.
Mudamos.
E agora, o resto do resto”.
Jornal de 23/09/2012:
Apartamento à venda. 




@julborges

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