quinta-feira, 20 de outubro de 2011

A Câmara Secreta

Não tema os fantasmas desta casa; eles são a menor de suas preocupações.
Pessoalmente, acho os barulhos que eles fazem reconfortantes,
os rangidos e passos no meio da noite,
seus truquezinhos de esconder coisas, ou tirá-las do lugar, acho
meigos, não pertuquietantes. Fazem o lugar se parecer muito mais com um lar.
Habitado.
À parte os fantasmas, nada vive aqui por muito tempo. Nem gatos,
nem ratos, nem moscas, nem sonhos, nem morcegos. Dois dias atrás
vi uma borboleta,
uma monarca, acho, que dançava de quarto em quarto
e pousava nas paredes e esperava perto de mim.
Não há flores nesta casa vazia,
e, temendo que a borboleta morresse de fome, forcei uma janela até escancará-la,
fiz minhas duas mãos em copas em torno do seu ser farfalhante,
e, sentindo suas asas beijando-me as palmas tão suavemente,
a pus para fora, e a vi voar para longe.
Tenho pouca paciência com as estações aqui, mas
a sua chegada aliviou o frio deste inverno.
Por favor, ande por aí. Explore quanto quiser.
Rompi com a tradição em alguns pontos. Se há
um cômodo trancado aqui, você jamais saberá. Não vai encontrar
velhos ossos ou cabelos na lareira do porão. Não encontrará sangue.
Olhe:
só ferramentas, uma máquina de lavar, uma secadora, um aquecedor
de água e um molho de chaves.
Nada que possa alarmar você. Nada sombrio.
Posso ser carrancudo, talvez, mas apenas tão carrancudo
como qualquer um que tenha sofrido o que sofri. Infortúnio,
descuido ou dor, o que importa é a perda. Você verá
a mágoa perdurar em meus olhos, e sonhará
pelos corredores desta casa. Trazendo um pouco de verão
no seu olhar, e com seu sorriso
Enquanto estiver aqui, é claro, você ouvirá os fantasmas, sempre no quarto ao lado,
e pode acordar ao meu lado à noite,
sabendo que há um espaço sem porta
sabendo que há um lugar que está trancado mas que não está lá. Ouvindo-os
lutar, gemer, bater, pisar.
Se você for sábia, correrá para a noite, farfalhando para o ar frio
vestindo, talvez, a camisola mais rendada. Os seixos duros da estrada
farão seus pés sangrarem enquanto corre,
portanto, se eu quisesse, poderia segui-la,
saboreando o sangue e os oceanos de suas lágrimas. Em vez disso, esperarei,
aqui, no meu lugar particular, e logo porei
uma vela
na janela, amor, para guiá-la na volta.
O mundo farfalha feito insetos. Acho que é assim que hei de me lembrar de você,
minha cabeça entre as saliências brancas de seus seios,
ouvindo as câmaras do seu coração.
-  Neil Gaiman

Obrigada Sérgio por me apresentar esse ótimo autor que combinou comigo. @tehquintela

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